13 de março
Querido Diário hoje foi um dia normal, para minha vida, acordei as 06:30 da manhã com o despertador matutino: os gritos do meu pai, hoje era por causa do meu Dado, ele também não se falam, o pai diz que como o Dado não fala com a mãe e o pai também não tem o direito de entrar em casa, apesar de que ele raramente entra aqui em casa, faz isso apenas quando vem buscar-me, sempre que ele vem ver-me, aliás ver-nos, ele também vem aqui para ver minha mãe, apesar dele não falar com ela, ele ama-a muito e se preocupa com ela, e ela sabe disso.
Ele vem ver-nos todo mês e liga-me toda semana, geralmente no final do mês quando recebe o ordenado, ele sempre dá-me dinheiro para minhas coisas, roupas, coisinhas da escola, enfim, mas ele sempre pergunta se eu comprei uma prendinha para a mãe. Geralmente antes dele perguntar eu digo que comprei uma roupa, um sapato, ou levantei uma receita para ela, esse tipo de coisa.
Bem, fique tranquilo, não vou falar só do meu Dado, acho que falo muito dele porque não tenho mesmo nada para falar sobre mim. Alias vou falar de mim em três linhas: sou gorda, loira, tenho sardas, borbulhas na cara, sou tímida, tenho apenas uma amiga, nunca tive namorado, nem sei se vou ter, tenho uma família desestruturada, e tenho muitos pelos nas pernas. Então, o que mais quer saber? É só isso e mais nada, ah! Tenho algo muito positivo: sou muito inteligente.
Bem, mas então vamos falar da Clarinha, Ana Clara é minha melhor amiga, mas é uma amiga secreta, não é amiga oculta, não a inventei, ela existe de verdade, é secreta porque o pai não gosta dela e nem da família dela porque eles são negros e o pai é militar, ele odeia militares por causa do meu Dado, desconfio que não tem nada a ver com a cor, acho que é mesmo por ser militar, e porque foi ele, o pai da Clarinha que ajuda todos os anos o meu Dado a fazer a minha matricula, e é por isso que o pai chama ele de “preto de merda” é claro que nunca disse isso a Clarinha, mas nunca a convidei para ir em casa, aliás, nunca vai ninguém a minha casa.
E mesmo se pudesse não convidaria ninguém, primeiro porque a minha casa é um pardieiro, a minha mãe chega do trabalho durante a tarde deita e só levanta na hora do jantar, faz qualquer coisa que não sei bem o que é eu como calada e vou para meu quarto, o pai ainda discute e chama-a de nomes, não me intrometo.
O pai, tem uma oficina de carros e passa o dia por lá, não trabalha muito, passa a maior parte do tempo nos cafés a beber e fumar, outras coisitas, enquanto está em casa são só gritos e palavrões e praguejes e enfim, não merece a pena dizer. Resumindo e concluindo eu convivo com dois estranhos.
Não lembro-me nunca de ter tido uma conversa com o pai, também ele não se interessa em ter conversas comigo. Não gosto dele e ele não gosta de mim, a única conversa que tivemos alguma vez na vida foi quando minha mãe ficou internada e ficamos os dois sozinhos, e ele estava muito bêbado e disse-me uma coisas nojentas, que não tenho coragem de repetir, nunca contei isso a ninguém, sei que se contasse ao meu Dado ele o mataria e a ultima coisa que quero na vida e destruir a vida dele, antes a minha.
Depois disso tomei tanto nojo dele que sei que nunca conseguirei olhar dentro dos olhos dele, muitas vezes imagino ele dentro do caixão, morto, bem morto, em estado de putrefacção é assim que sinto-me em paz em relação a ele. Sei que isto é sinistro, mas é o que sinto, quero que você saiba tudo sobre mim e o que sinto em relação a ele e isso.
A minha mãe? Não posso dizer que amo-a, estaria mentindo, mas não a odeio, como odeio ele, eu tenho pena dela, por ser uma fraca, dependente, estúpida, doente mental, quando ela escolheu ele, abriu mão de mim e do Dado, eu não tive opção de ir, mas e como se eu não vivesse aqui, eu fui-me embora no dia em que meu Dado partiu, eu estou em corpo aqui, mas minha mente está lá no gabinete do meu Dado. Só falta um ano. Ano que vem numa época dessa vou estar saindo dessa casa para nunca mais voltar.
Ah! Pois deixe-me contar-te, eu vou para a escola preparatória das Forças Aéreas, lá é em regime de internato e é aonde meu Dado mora, vou morar com ele, finalmente vou estar ao pé dele, estou contando os dias, os meses, as horas, vai ser o primeiro dia do resto da minha vida.
Bem, tenho que ir dormir, amanhã tenho uma novidade, vou a um piquenique com a Clarinha, meus pais acham que estou na escola, eles não se interessam aonde eu estou, desde que chegue as horas. Vamos eu a Clarinha a irmã mais velha da Clarinha, o namorado da irmã e o irmão do namorado, percebeu? Não importa.
Beijinhos e ate amanhã
Caquinha
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